Jabuti legislativo e esgotamento administrativo para caracterização de apropriação indébita previdenciária
ADI 4.980 | Ministro Nunes Marques | Plenário
Trata-se de discussão sobre o que se chama jabuti legislativo, ou seja, a inclusão, em medida provisória (MPr), de matéria estranha ao seu tema principal.
No caso, o Procurador-Geral da República impugna a inclusão, na Medida Provisória n. 497/2010 que dispôs sobre a realização da Copa do Mundo e da Copa das Confederações no Brasil (convertida na Lei 12.350/2010), de texto normativo que trata do envio, ao Ministério Público, de representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a Previdência Social.
A lei derivada da MPr 497/2010 inseriu em seu texto uma alteração no artigo 83 da Lei 9.430/1996, fixando a necessidade de prévio esgotamento das instâncias administrativas para o envio da representação fiscal para fins penais ao Ministério Público. Incluiu, ainda, os crimes contra a Previdência Social, previstos nos artigos 168-A e 337-A do Código Penal.
A PGR alega inconstitucionalidade no que se refere aos crimes de natureza formal, especialmente o de apropriação indébita previdenciária (artigo 168-A do CP), por ofensa aos artigos 3º; 150, inciso II; 194, caput e inciso V, e 195 da Constituição Federal (CF), bem como ao princípio da proporcionalidade, sob a perspectiva da proteção deficiente. Sustenta ter-se, ainda, afronta ao artigo 62, parágrafo 1º, inciso I, letra “b”, da CF, ao tratar de matéria penal e processual penal, vedada por tal dispositivo.
A PGR lembra que a alteração serviria para corrigir uma omissão surgida por ocasião da criação da Secretaria da Receita Federal do Brasil ou Super-Receita, em 2007, no sentido de uniformizar o procedimento adotado para os crimes previdenciários com aquele adotado para os crimes tributários.
No entanto, segundo a Procuradoria, o passar do tempo não sustenta o argumento da inexistência de tempo hábil, a título de urgência, para regulamentar a matéria por lei ordinária.
“Em verdade, aproveitou-se a edição da medida provisória que versa sobre questão verdadeiramente urgente e relevante – a realização da Copa do Mundo e da Copa das Confederações, no Brasil – para inserir dispositivo absolutamente estranho à matéria.”
Trecho da petição inicial da ADI 4.980.
Pede a declaração de inconstitucionalidade do artigo 83 da Lei 9.430/1996, com a alteração promovida pela Lei 12.350/2010, no que se refere aos crimes formais, especialmente o de apropriação indébita previdenciária. Subsidiariamente, requer seja dada interpretação conforme a Constituição ao texto impugnado para declarar que os delitos formais, sobretudo o de apropriação indébita previdenciária, consumam-se independentemente do exaurimento da esfera administrativa.
Em 10.3.2022: O Tribunal, por maioria, conheceu da ação direta e julgou improcedentes os pedidos nela formulados, para declarar constitucional o art. 83 da Lei nº 9.430/1996, com redação dada pela Lei nº 12.350/2010, nos termos do voto do Relator, vencido parcialmente o Ministro Alexandre de Moraes.